segunda-feira, 21 de junho de 2010

Delegação de poder de polícia para particulares - vedação à imposição de sanções

inteiro teor
Superior Tribunal de Justiça
EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 817.534 -
MG (2006/0025288-1)
Data do julgamento: 25 de maio de 2010.
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
EMBARGANTE : EMPRESA DE TRANSPORTE E TRÂNSITO DE BELO
HORIZONTE - BHTRANS
ADVOGADO : EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO E OUTRO(S)
EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES INEXISTENTES. CONTRADIÇÃO CARACTERIZADA. (ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE.)
1. Nos aclaratórios, sustenta a parte embargante que existem vícios a serem sanados no acórdão combatido, a saber: (i) omissão acerca da regra de competência, a qual imputa o processamento e o enfrentamento da presente causa ao Supremo Tribunal Federal (incompatibilidade entre lei local em face de lei federal); (ii) omissão acerca das regras constitucionais de balizamento da matéria de fundo (possibilidade de sociedade de economia mista exercer a atividade de controle de trânsito ante à inexistência de vedação constitucional no ponto); e (iii) contradição existente entre o provimento final do acórdão (provimento integral do especial) e sua fundamentação, na qual restou afirmada a possibilidade de a embargante exercer atos relativos a fiscalização.
2. Em relação ao item (i), tem-se que o acórdão da origem apreciou apenas a tese jurídica – possibilidade de delegação de poder de polícia para particulares – com base em diversos dispositivos de lei local, lei federal e da própria CR/88, mas jamais entendeu que a lei específica de delegação (lei local) era válida em face de lei federal. Trechos do acórdão da origem.
3. É possível, e isso é de cotidiana percepção pelos magistrados que integram o STF e o STJ, que um provimento judicial de última instância adote, simultaneamente, argumentos de ordem constitucional e infraconstitucional.
4. Daí ser igualmente possível o manejo (autônomo e simultâneo) de recurso especial e de recurso extraordinário, sem que se possa dizer que o julgamento do especial importa em usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal.
5. O que se tem, nesses casos, é uma competência cindida para apreciação de matérias distintas: o STJ aprecia a alegada ofensa à legislação infraconstitucional federal e o STF aprecia as questões de sua competência.
6. Na espécie, entendeu-se que o art. 24 do CTB permitia a delegação do poder de polícia para particulares.
7. Tal tese encontra-se, pois, no âmbito da legislação infraconstitucional, pois envolve a correta extensão do conteúdo de norma integrante de diploma normativo federal – norma cuja mal interpretação importaria ipso facto na ofensa a legislação infraconstitucional . Cabível, portanto, o recurso especial, com base no art. 105, inc. III, “a”, da CR/88.
8. Não fosse isso bastante, a regra consubstanciada no art. 237 da Lei n. 6.404/76 autoriza concluir acerca da impossibilidade da transferência do poder de polícia para particulares. Esta foi a conclusão adotada no voto-vista proferido pelo Min. Herman Benjamin.
9. Fácil perceber, nesta esteira, que o âmbito de atuação do STJ deu-se nos estritos limites de sua competência, interpretando unicamente a legislação infraconstitucional (dispositivos do CTB e da Lei n. 6.404/76).
10. Uma tese de reforço: a rigor, os votos que fundamentaram o acórdão da Corte Superior sequer fizeram menção à lei local - limitaram-se a discutir a possibilidade de delegação de poder de polícia a particular. Então, não houve nenhum juízo de validade acerca da lei local.
11. Mesmo que não houvesse lei local específica, as teses vencedoras nesta instância especial seriam exatamente as mesmas , o que bem demonstra que não houve a dita incursão em competência do STF.
12. Bem, além da incidência dos arts. 7º e 24 do CTB, a origem, é bem verdade, discutiu a possibilidade de delegação de serviços públicos a particulares, com base no art. 175 da CR/88, bem como a competência municipal para gerir os serviços públicos locais (art. 30 da Lei Maior). Neste ponto, cabível a interposição do extraordinário (a propósito: o Ministério Público estadual protocolou mesmo o extraordinário).
13. Em suma: a origem conclui pela possibilidade de delegação do exercício do poder de polícia para sociedades de economia mista com base no alcance e conteúdo (i) dos arts. 22, 30 e 175 da CR/88 e (ii) dos arts. 7º e 24 do CTB. Não se julgou válida lei local em confronto com lei federal, mas apenas e tão-só definiu parâmetros de interpretação de lei federal e de normas constitucionais. Assim, uma parte dos argumentos enfrentava especial; a outra parte, extraordinário. Neste contexto, o julgamento do especial não implica usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
14. No que tange ao item (ii), é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que não cabem embargos de declaração para que o STJ enfrente matéria constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
15. Finalmente, no que diz respeito ao item (iii), assiste razão à embargante.
16. Tanto no voto condutor, como no voto-vista do Min. Herman Benjamin, ficou claro que as atividades de consentimento e fiscalização podem ser delegadas, pois compatíveis com a personalidade privadas das sociedades de economia mista.
17. Nada obstante, no recurso especial, o pedido do Ministério Público tinha como objetivo impossibilitar que a parte embargante exercesse atividades de policiamento e autuação de infrações, motivo pelo qual o provimento integral do especial poderia dar a entender que os atos fiscalizatórios não podiam ser desempenhados pela parte recorrida-embargante.
18. Mas, ao contrário, permanece o teor da fundamentação e, para sanar a contradição, é necessária a reforma do provimento final do recurso, para lhe dar parcial provimento, permitindo os atos de fiscalização (policiamento), mas não a imposição de sanções.
19. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, com efeitos modificativos, para dar parcial provimento ao recurso especial, no sentido de que permanece a vedação à imposição de sanções pela parte embargada, facultado, no entanto, o exercício do poder de polícia no seu aspecto fiscalizatório.

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