quarta-feira, 21 de julho de 2010

Nexo causal deve ser comprovado para se caracterizar a responsabilidade do Estado

inteiro teor
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.040.895
- MG (2008/0058355-0)
Data do julgamento: 1º de junho de 2010RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
ADVOGADA : CAROLINA CARDOSO GUIMARÃES LISBOA E OUTRO(S)
RECORRIDO : A M DE S E OUTROS
ADVOGADO : GIOVANNI FREDERICO ALTIMIRAS E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO - INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.
1. Ação indenizatória por danos morais e materiais, em face de Município, em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando a morte do marido e pai dos autores.
2. A situação descrita não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na caracterização da responsabilidade civil do Estado.
3. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial, viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii)da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix)além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in "Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário", publicado na Revista Genesis - de Direito Processual Civil, Curitiba-número 35, págs. 128/145)
4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP; DJ 14.08.2007; Resp 647.493/SC; DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; Resp 549812/CE; DJ 31.05.2004).

Leia a notícia do STJ.




5. In casu, o Tribunal de origem entendeu tratar-se da responsabilidade subjetiva do Estado, em face de conduta omissiva, consoante assentado: "(...) insta ressaltar que o direito de polícia da administração pública é indisponível. É obrigação do Estado diligenciar no sentido de fiscalizar os estabelecimentos comerciais, devendo fazer cumprir as determinações legais, sendo de direito o fechamento dos mesmos caso se encontrem em situação irregular. a omissão estatal ocorre quando o ente público deixa de fazer algo que é obrigado em virtude dessa negligência decorre um dano.O incêndio narrado na peça inaugural ocorreu em casa de shows que funcionava irregularmente, mesmo sob o olhar do município, que tinha conhecimento formal da falta de alvará de localização e funcionamento. Caso houvesse ocorrido a devida fiscalização, com consequente fechamento do local, o sinistro não teria ocorrido, o que demonstra que a falta de sinalização foi causa eficiente do sinistro. Assim, a tese recursal de que o evento danoso teria acontecido por culpa dos produtores do espetáculo, ou mesmo dos integrantes da banda que se apresentava no local, não têm sustentáculo legal para excluir a responsabilidade do município.(...)" (fls. 550)
6. Desta forma, as razões expendidas no voto condutor do acórdão hostilizado revelam o descompasso entre o entendimento esposado pelo Tribunal local e a circunstância de que o evento ocorreu por ato exclusivo de terceiro, não havendo nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano ocorrido.
7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva, além da perquirição da culpa do agente há de se verificar, assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza: "Se ninguém pode responder por um resultado a que não tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que
apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E, como diziam os antigos, 'ad impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido, no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi violado.(...)" (pág. 63). E mais: "(...) é preciso distinguir 'omissão genéria' do Estado e 'omissão específica'(...) Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embrigado atropela e
mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado.(...)" (pág. 231) (Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas).
8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado. Isto porque, a causa dos danos foi o show pirtotécnico, realizado pela banda de música em ambiente e local inadequados para a realização, o que não enseja responsabilidade ao Município se sequer foram impostas, por este, exigências insuficientes ou inadequadas, ou na omissão de alguma providência que se traduza como causa eficiente e necessária do resultado danoso.
9. O contexto delineado nos autos revela que o evento danoso não decorreu de atividade eminentemente estatal, ao revés, de ato de particulares estranhos à lide.
10. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC, tanto mais que, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
11. Recurso Especial provido.

0 comentários:

Postar um comentário